34

Hoje completo 34 anos. A casa dos 30 sempre me foi um pouco temerosa. Lembro muito bem, nos idos dos anos Bate Papo Uol, quando a internet era terra de ninguém, que muito se buscava gente para “TC” até 30 anos. Uma besteira sem tamanho. Faço hoje 34 anos com a vida pouco resolvida, mas com um bocado de traumas superados, felizmente. Os 30 podem não ser a salvação – estão longe disso, mas são uma boa dose de foda-se. Foda-se grande parte das expectativas, foda-se um punhado de inseguranças, foda-se se há um enorme buraco no sovaco da minha camiseta. Não estou nem aí. Pago minhas contas, desejo quem eu quero, faço o que eu bem entender. Aceito cada vez mais a liberdade como um presente imenso porque descubro que não é preciso agradar a ninguém. A ninguém que não me pague. A ninguém que não me interesse. E o melhor: é cada vez mais prazeroso agradar a quem desejo agradar. São poucas pessoas.

Hoje, aos 34 anos, tenho muito a agradecer. Primeiro porque a paixão ainda permeia minha vida, profundamente. Eu ainda me apaixono pelas coisas, pelas pessoas, por um disco novo que está para ser lançado, por um novo show anunciado, por uma caminhada no aterro, por comprar um presente para meu sobrinho ou para meu afilhado, por alguém que descubro que me faz bem ou por quem está o tempo todo ao meu lado. A paixão não cede, não arreda, ela queima dentro do peito como aos 16. Mas agora com mais inteligência, com mais experiência, com mais dinheiro. Que delícia é estar apaixonado. Tenho 34 anos e sigo apaixonado pela vida, por um bocado de coisas, por um bocado de pessoas. 

Sigo também assustado com a finitude das coisas e com essa sensação estranha de que as semanas passam cada vez mais rapidamente. E que as semanas trazem consigo os anos e as rugas e a impossibilidade. Mas me desafio todos os dias a estar concentrado no hoje – o que não é fácil. Ainda lido com uma baixa autoestima que há muito me persegue e com um pessimismo que tento controlar a todo tempo. Tenho tido sucesso, mesmo que muitas vezes ficando bastante cansado. A vida certamente poderia ser mais fácil, mas minha dificuldades diante do mundo são pequenas, e me parece que às vezes os males do outro são ao mesmo tempo que lamento, alívio. Está tudo bem: tenho 34 anos e  tudo permanece em ordem – mesmo quando fora dela.

Quando eu morrer
Quando morrer, faço questão de ser cremado em Petrópolis, cidade onde nasci e por muitos anos acredito que fui feliz. Peço que o velório aconteça de manhã, na mais iluminada das horas. E que não dure muito. Minhas cinzas, porém, devem ser derramadas ao vento no Aterro do Flamengo, a partir das 18 horas, nos cantos mais escuros — onde ficam as almas desgarradas que ainda vivas buscam alívio em meio à solidão. Um pouco de cinzas na altura do Hotel Glória, um pouco de cinzas no estacionamento de onde funcionava o antigo Porcão, outro bocado de cinzas nas árvores às sombras. O restinho, é claro, no mar onde entrei pela primeira vez, em 2009, ano em que tive o imenso privilégio, graças a todos os esforços da minha mãe, de morar na cidade que tão bem me acolheu. Eu amo o Rio de Janeiro.

Quando morrer, por favor, quero que chorem ao buscar na memória os momentos em que fomos felizes. Chorem tudo que tiverem para chorar, esvaziem o peito de lágrimas, pois quero logo ser celebrado em alegria — copos na mão, sorrisos no rosto, piadas na ponta da língua. Nunca cinismo, nunca arrogância, por favor, às vezes solidão. Quero que lembrem de mim – o que pelo menos agora, para mim, parece muito diferente de pedir “quero ser lembrado”. Não há glória, mas sim bons momentos. Quero todos tranquilos, fui muito feliz, morto hoje ou daqui há 50 anos. Tenho certeza disso. Tenham certeza disso. Peço, por favor, lembrem de mim na trivialidade, no latido ao longe de um cão, nas velhas muito maquiadas no bar, no homem sentado no chão, na música que toca de repente dentro da loja. 

Meus órgãos todos podem ser doados, não me farão a menor falta. Será um presente ter minha carne batendo em outra vida, porque a vida é o maior presente possível, o maior dos privilégios. De antemão, peço desculpas pelos meus pulmões e talvez pelo meu fígado. Vivi imensamente. Repito: a vida é um presente e eu soube abri-lo, rasgá-lo, amá-lo, aproveitá-lo. Por favor comprem um bom vinho, não economizem – gastem dinheiro e brindem a mim. 

Hoje é meu aniversário, faço 34 anos. É domingo, um dia cheio de complexidades exatamente como o domingo em que nasci. Estou num lugar muito diferente do qual eu já imaginei um dia, mas estou num lugar cheio de felicidades. Hoje estou muito feliz. Amanhã será outro dia. Mais um dia, menos um dia. Um feliz aniversário.

Se você está lendo isso, muito muito muito obrigado. 

Uma bobeira

O menino morde a língua para fora da boca, olhos quase cruzados convergindo para o sachê de ketchup que com tanto esforço ele tenta espremer a última gota. Ele faz força, muita força. Força como se não houvesse à sua disposição outros tantos sachês em cima da mesa onde apoia seu prato com uma coxinha. Cada gota de molho é preciosa — espreme com os cotovelos levantados paralelos ao chão. Eu olho curioso para o menino, ele está sozinho sentado à mesa de uma lanchonete na esquina da rua Paissandu com a Marquês de Abrantes; não deve ter 10 anos de idade. Tenho vontade de avisá-lo que tanto esforço é inútil, que basta pegar mais um ou dois ou três sachês disponíveis bem à sua frente. Que se esbaldar em ketchup é uma possibilidade real, sem esforços. Que ele pode escolher também a mostarda ou a maionese. Nada falo. Eu estou na fila do frango assado que dobra a esquina, aguardo a vez para pedir um frango fatiado sem farofa. Arroz e salada tenho em casa.

Estou na fila do frango, a mulher à minha frente conversa com uma senhora baixinha que neste momento está por decidir seus acompanhamentos — os acompanhamentos do frango. Legumes ou salada, batatas fritas ou batatas portuguesas, arroz branco ou tingido de brócolis. Olho para o homem de boné que corta os frangos com uma espécie de tesoura turbinada, me incomoda como seus dedos esbarram nos pedaços desmembrados do corpo de galinha morta. Percebo que o menino já não está mais sentado à mesa da lanchonete ao lado, imagino que tenha se dado por vencido e aberto ao menos um último sachê de ketchup antes de partir. Talvez seus esforços tenham valido a pena — uma última gota. Talvez eu devesse ter me aproximado para dizer que tanto esforço haveria de ser inútil diante de um mar (de ketchup) de possibilidades. Talvez eu desejasse, bem lá no fundo, que um desconhecido me parasse na rua, sem maiores pretensões, para me lembrar que às vezes algumas coisas não valem o esforço. Que a vida é nada menos que um mar de possibilidades. Eu não sei ao certo por que o menino lutava com o sachê de ketchup, tampouco sei por que eu, você, todos nós escolhemos enfrentar algumas lutas diárias. É preciso avaliar os esforços. Sei muito pouco.

A preparação para a festa

Mãe e filha andam em minha direção, as duas parecem muito felizes. A menina não passa dos sete anos de idade, está vestida com uniforme escolar e saltita ao lado da mulher que segura com as duas mãos uma caixa quadrada — em suas entranhas imagino haver um bolo. As duas conversam animadas, cara e bocas; é o clima de preparação para a festa. Imagino-as indo para casa apressadas, ainda haverão de se enfeitar para receber os convidados. É preciso terminar de arrumar a mesa, espalhar as balas de coco embaladas em franjas de papel em volta dos pratos de doce. Imagino o cheiro das bexigas, das salsichas borbulhando no molho quente na panela, das mãos amanteigadas de enrolar brigadeiro. Eu passo por elas, seguimos por direções opostas da rua das Laranjeiras. Sigo um caminho soturno comparado ao caminho oposto, o caminho de mãe e filha. Não há festa — tampouco bolo, doce ou confraternização. Penso que gostaria de estar preocupado, ao menos hoje, com a trivialidade de quem esquece os copos descartáveis no balcão da loja de embalagens. Ou de quem busca sem sucesso uma vela de número 3 para cravar no topo do bolo. Mãe e filha já estão distantes de mim, cada vez mais próximas da festa, de receber a encomenda dos salgadinhos. Olho para trás e checo se elas ainda sobrevivem no meu campo de visão. Estão cada vez mais longe.

Hoje é sexta-feira, estou indo para casa. Minha cabeça está cansada, sinto também o corpo cansado, mas o espírito se mantém cheio de vida e expectativa. Há pouco pensava na programação do meu final de semana, agora nada tira da minha cabeça uma tão distante festa na casa da Rosa, uma vizinha de infância. Quando tinha muito pouca idade, fui com minha mãe para uma festa de aniversário na casa da Rosa, pessoa de quem hoje sequer consigo imaginar a fisionomia. Lembro do bolo retangular em cima da mesa, era um bolo de nozes; lembro de sentir muita vontade de fazer cocô e também da timidez em avisar minha mãe que eu precisava que ela interrompesse a conversa para que eu pudesse ir ao nosso banheiro — ao banheiro da nossa casa. Não lembro o desfecho da história, mas lembro de estar muito apertado andando em círculos em volta da mesa que sustentava o bolo na sala. Lembro do cheiro do bolo, um bolo que certamente é muito diferente do bolo carregado pela mãe na rua das Laranjeiras. Os bolos de antigamente ocupam um lugar especial na memória coletiva. Os de hoje são um bocado estranhos. Muitas vezes ocupa o centro da mesa uma versão feita de isopor, para que depois de cantado o parabéns seja servido o bolo verdadeiro, já fatiado. Tudo muito prático, muito plástico, muito lindo.

Mãe e filha a essa altura já devem ter chegado em casa, eu também estou perto da minha. Lembro agora do bolo que Letícia fazia para mim quando ainda morávamos juntos – lembrar de Letícia talvez não seja próprio. Lembro, então, do bolo. Um bolo simples, bolo de bolo, mas com uma calda de amendoim obscena, deliciosa. Letícia. Lembro de Letícia e o dinamismo da memória me faz recordar que ela tinha a mania de apertar os calos das minhas mãos quando assistíamos à televisão juntos no sofá. Ela fazia seus dedos de pinça e beliscava cada calo, um a um, como um gesto de carinho. Cada apertão parecia confirmar o quanto ela se importava comigo, que gostava genuinamente de mim. Nunca chegamos a falar sobre isso. Nunca falamos sobre um bocado de coisas, penso agora. Nunca falamos sobre o bolo. Preciso me concentrar no bolo. O bolo de Letícia imagino ser mais simples que o bolo da festa da menina de Laranjeiras, mas não menos delicioso. Letícia. Eu agora estou muito perto de casa, queria estar animado com os preparativos da festa, desatando o nó dos sacos plásticos que embalam os petiscos comprados a granel. Hoje não tem festa, ao menos aqui em casa.

Estou em casa, é sexta-feira, não há festa aqui; tampouco fui convidado para a festa da mãe e filha de Laranjeiras. Sento no sofá, ele está vazio – não sinto cheiro de bolo vindo da cozinha. Pouco sinto, para falar a verdade. Queria mesmo é estar tomando banho enquanto o queijo das mini pizzas derrete no forno. Penso que estaria feliz se, em vez de boletos a pagar, houvesse um bolo no centro da mesa da sala. Bolo de bolo. Letícia. Minha cabeça está cansada. Hoje, estranhamente, doem os calos das minhas mãos.

Terça

Bem à minha frente, apressado, um jovem segura firme a guia que circunda o pescoço de um cachorro cuja raça não sei o nome. O jovem parece estar com pressa, seus passos são curtos, mas ligeiros. Nosso entorno ecoa alto o resvalo de seu chinelo contra o calcanhar. Gosto desse som. O cachorro o acompanha fiel, ele sabe que o tutor não dispõe de muito tempo; a devoção de cão o faz entrar no compasso do jovem sem grandes questionamentos ou pausas para farejar aqui ou ali. Eu, logo atrás, não tenho pressa. Sigo meu percurso desacelerado, passa das dezenove horas. Fico cada vez mais para trás, estou mais distante; agora um pouco mais, já estou longe do rapaz que passeia com um cão. Não ouço mais seus chinelos.

É terça-feira, dia que menos gosto na semana. Terça é dia de estudar para a prova, lembro bem. No Bom Jesus Canarinhos, escola onde estudei em uma cidade que não existe mais, havia prova toda quarta-feira, o que tornava as terças um verdadeiro inferno. Eu odiava estudar, sentia como se a adolescência fosse o momento certo para experimentar as coisas, vivê-las pela primeira vez. Meus colegas revisavam as matérias enquanto meu peito explodia de ansiedade e desejo. Era impossível estudar. Pior: seria criminoso estudar. Eu precisava experimentar, eu queria experimentar. Não lembro de uma prova sequer, mas lembro de quando escutei “Creep”, do Radiohead, pela primeira vez. Eu nunca mais vou escutar Creep pela primeira vez. Lembro com detalhes do meu primeiro porre, do meu primeiro beijo – ao menos o que fez sentido -, da primeira vez que meu nariz sangrou por causa de um punho cerrado. Mais do que lembro — essa é a diferença.

Perco o rapaz de vista, tampouco vejo seu cachorro. No horizonte nada além de uma terça-feira já em decadência e da persistente vontade de experimentar. O peito ainda cheio de desejo. Será normal? Passará um dia? Um filho enterrará essa minha versão que segue orientada pela vontade de conhecer o que é possível pela primeira vez? Haverá o momento em que descobrir uma música incrível, para fotografar a sensação na memória, deixará de ser importante? Sigo caminhando, sem pressa, e reencontro o rapaz acelerado, agora sentado em um banco no Aterro do Flamengo. O cão bebe água, tranquilo, uma recompensa pela lealdade, pelas patas ligeiras. Permaneço no meu ritmo, sem pressa, forço um contraponto à angústia que eu sentia naquelas terças de tantos anos atrás. No espírito, porém, ainda o desejo.

Falta cerca de um mês para a primavera, não sei identificar se as árvores do Aterro já sinalizam que em breve as flores brotarão coloridas para abrir caminho para o verão. Tudo que eu sei, aqui e agora, é que o cachorro do jovem rapaz não sente mais sede. Sei também que o dois não têm mais pressa — se é que tiveram algum dia. Estão sentados em um banco de concreto no Aterro do Flamengo. Sei que é terça-feira, um dia um tanto quanto incômodo talvez em razão das provas às quartas-feiras. Penso que  todo aquele incômodo de muitos anos atrás pode ser miseravelmente insignificante se comparado a todo o incômodo de hoje, de agora, de homem jovem que envelhece. Temo que isso seja verdade — sobre isso eu não sei.

O rapaz anda em direção à beira mar, solta a guia do cão que corre livre para molhar as patas ligeiras. Eu observo, sem pressa. Mas com a cabeça (seria o peito?) explodindo de ansiedade e desejo. Passará?

Vou tentar retomar a periodicidade por aqui, no Do Catete.

When you were here before
Couldn’t look you in the eye
You’re just like an angel
Your skin makes me cry
You float like a feather
In a beautiful world
I wish I was special
You’re so fuckin’ special
But I’m a creep
I’m a weirdo
What the hell am I doin’ here?
I don’t belong here
I don’t care if it hurts
I wanna have control
I want a perfect body
I want a perfect soul
I want you to notice
When I’m not around
So fuckin’ special
I wish I was special
But I’m a creep
I’m a weirdo
What the hell am I doin’ here?
I don’t belong here
She’s running out the door (run)
She’s running out
She run, run, run, run
Run
Whatever makes you happy
Whatever you want
You’re so fuckin’ special
I wish I was special
But I’m a creep
I’m a weirdo
What the hell am I doin’ here?
I don’t belong here
I don’t belong here

28/06

O mês do orgulho ainda não é o mês da vitória, mas sim da vitória da coragem. Eu digo isso, com muito orgulho, porque desde cedo, no início de tudo, a gente tem que vencer o medo.

A crença de que o que você sente é passageiro, saibam vocês, logo passa – por mais que a tentativa do autoengano persista às vezes de modo muito convincente. Mas é o medo que prevalece.

O medo se alarga, toma o centro das coisas, ganha massa, pesa e se espalha. É taciturno, mas também é violento. E aí, em algum momento, você traça um cenário complexo de possibilidades sobre como poderia a sua própria família reagir a quem é você. E você sente medo. E passa a ter medo também da família dos outros, do pai do seu melhor amigo que, de uma hora para outra, pode deixar de te convidar para viagens de final de semana, pode se incomodar com a sua presença no quarto, no banho. É o medo.

O medo, como uma praga, alcança as suas relações sociais, os amigos (e os inimigos) na escola, a sua relação com professores, a sua banda de Heavy Metal. E é o medo que te faz se comportar como você não gostaria; de ir a uma festa e beijar uma pessoa pela qual você não nutre o mínimo desejo, de reforçar estereótipos, de maltratar na escola quem na verdade você tem vontade de se aproximar. O medo de não enxergar nenhum horizonte possível e minimamente viável de se relacionar com quem você ama ou deseja. O medo constante da impossibilidade – é gigantesco, acreditem. É enorme o medo de ter que se apaixonar calado.

E aí você explode, cedo ou tarde. Você beija em público, pela primeira vez, com o peito explodindo de emoção, mas com muito medo. Medo da reprovação, do nojo, da humilhação, de um soco na cara. O medo por você e pelos seus, por quem você ama, por imaginar sua mãe tendo que lidar com uma piada sobre o filho numa mesa de jantar. O medo, sempre o medo. Desde sempre, o medo. No alistamento militar, na chopada da faculdade, na hora de fazer o checkin no hotel – cama de casal?. É o medo.

Um dia, saibam vocês, não haverá medo. E esse dia será o dia da vitória. Por enquanto seguimos comemorando a vitória da coragem, sobre cada medo vencido – e são muitos. E por isso são muitas vitórias. São vitórias diárias a serem comemoradas. E essas vitórias deixam a carne cascuda e o espírito elevado, cada vez mais forte. Sintam orgulho, estamos vencendo o medo. Venceremos, todos juntos, o medo.

Caminhada

Cruzo a esquina da Ouvidor com a Quitanda, um homem está deitado no chão, semimorto. Grita inaudível, sem voz, mas as veias grossas do pescoço ainda encontram força para saltar a carne inchada de álcool, suja; e são elas, as veias, que ilustram os gritos. Nada escuto. O corpo, deitado, tem a pele infértil dos homens entregues ao álcool — é como um terreno deserto, árido, onde os pelos não nascem mais, envenenados pela bebida que circula por elas, as veias. Ele baba, lacrimeja seco, sofre. A bermuda à altura dos joelhos revela seu sexo tornando-o ainda mais desgraçado, mais imundo, mais corpo morto, mais sem alma. Ele grita e olha para mim; não escuto nada.

A rua está deserta, o Centro do Rio de Janeiro, um dos meus lugares favoritos no mundo, está deserto, não há vida nas ruas; tampouco há sopro na vida maldita das esquinas, becos, cinemas e vielas. Nada resiste ao novo estado das coisas, nada existe como existiu há algum tempo — e antes disso. Nada haverá de existir, um dia. Eu sigo caminhando, o céu está azul, sinto-me muito vivo, no peito um desejo enorme de que as coisas voltem a ser o que eram, desconcertadas como eram, defeituosas, imperfeitas, mas nunca sufocantes, genocidas, pandêmicas. Não estou sozinho. Estou acompanhado por um homem bêbado, um homem-peixe que busca respirar dentro de um balde ou no fundo de um barco, bem ali, na rua do Ouvidor com a Quitanda, onde tantas coisas já existiram, onde eu tanto já existi, onde tudo hoje morre lentamente. Onde hoje sofre um homem.

É domingo, faz muito calor, a máscara intensifica o calor, começo a sentir meu próprio hálito. Caminho pelo Centro. Copacabana, Ipanema ou Leblon, para mim, nunca foram opções. Tampouco a Lagoa, cujas lembranças de quando eu fazia faculdade não me agradam. O Aterro tem ficado cheio, mesmo na melhor hora, por volta das 18h. É por isso que eu caminho pelo Centro, um dos lugares mais bonitos do Rio de Janeiro, onde hoje aglomeram-se muitos homens e mulheres e crianças e cães, nas calçadas, em cabanas de lona e pau. Onde hoje muitas pessoas tocam vidas moribundas, vidas mortas como a do homem que agoniza a poucos passos de mim. Eu olho para ele, ele retribui o olhar, não sofro. Sinto como se o sofrimento fosse lugar-comum e eu, como numa bolha, estivesse acostumado a todo o horror — mas imune a ele. Sinto-me privilegiado. É como se o horror nunca fosse horrível o suficiente.

Caminho de volta para casa. Tudo vai ficando mais higiênico, mais policiado, mais sofisticado, mais estado, mais iniciativa privada. Sinto que pertenço a tudo isso por um acaso, por uma roleta de Deus. Que besteira. Encontro uma amiga, ela passeia com um cachorro enorme preso à coleira. Um jovem gordo caminha com a máscara ao queixo; uma mulher muito linda pedala numa bicicleta alugada. Passo por um prédio com vidros espelhados e encaro meu reflexo aprumado; o porteiro abre o portão como se eu devesse entrar, como se eu combinasse com quem mora ali — ele olha para mim com o olhar da possibilidade. Não moro ali. Tiro uma foto da minha própria imagem, penso em postar, em mostrar para os outros. Posto. Sigo meu caminho, estou chegando em casa.

Entro no meu apartamento e vou direto para o chuveiro; escovo os dentes ainda dentro do box, como gosto de fazer, e sinto a água forte no meu rosto — sinto também um ligeiro gosto de água. É o Rio de Janeiro. Teria morrido sufocado o homem-peixe fora do aquário? Estaria ainda chorando o desespero? Ainda vivo? Morto? As notificações constantes do meu celular interrompem a música que toca enquanto me banho — certamente há comentários na foto postada. Alcanço a toalha e pego o celular. Um bocado de likes. Seco-me, deito na cama refrescado; meu corpo de homem-peixe no mar azul. Minha cama mar azul. Penso no homem bêbado, deitado no chão do Centro no Rio de Janeiro; não sofro.

É domingo, o dia está lindo, o mar imagino estar azul, talvez mais ainda do que minha cama, cheio de peixes. O calor, dentro do meu apartamento, não faz verão. Faz outono como lá fora também deveria fazer. Olho as notícias no celular, leio sobre a situação dramática do estado do Rio, sobre a fome e a miséria, sobre tudo o que é conhecido e hoje em dia está ainda maior, como um bichano desgovernado. Compartilho uma dessas notícias em um grupo de WhatsApp, digo aos meus amigos que, realmente, estamos fodidos. Estamos fodidos? As pessoas estão fodidas, não está fácil. Compartilho o cibersofrimento e todos ali, no grupo, sofrem um pouco. Mais notificações me interrompem no celular. São likes na foto espelhada. Dez, vinte, trinta, quarenta likes – sofreria ainda o homem sem alma? Não sofro.

Está realmente tudo muito fora do lugar.

Carta ao Leandro 20

Escrevo de um lugar onde você nunca esteve, de um tempo que você não chegou a ter — ainda incontrolável, porém. Não tem sido fácil. Ao passo que a política se mostra cada vez mais bruta, mais ainda do que quando você estava vivo, um vírus escroto confronta a ordem das coisas, arranca nosso centro. O todo está tão desconfigurado que nós não vemos saída senão o exercício de encontrar felicidade nas pequenas coisas. Dia desses me peguei feliz ao assistir a um vídeo do Caetano, de pijama, explicando a previsão furada do Celso Cunha, ainda nos anos 1980, de que o “r” retroflexo entraria em profunda decadência no Brasil. Ele arregala os olhos e chama o Moro, que agora é ex-ministro, de “ex-tudo”. Você se divertiria.

À medida em que a vida sinaliza um ciclo de desafios sem fim, o tempo, compadecido, se disfarça acelerado. Você morreu há um ano, parecem cinco. O Caetano parece cinco anos mais velho, as mãos tremem muito mais. O Thom Yorke está cinco anos mais velho, minha barba está cinco anos mais branca — não é brincadeira. Nem a voz do Ney Matogrosso passou incólume por esse ano-que-parece-cinco. É engraçado o que o tempo faz com as coisas. Ontem mesmo eu estava assistindo a uma entrevista do Cazuza com a Marília Gabriela, em 1988, e ele dizia que a consagração máxima de um artista é subir aos palcos do Canecão. O que o tempo faz com as coisas, Leandro?

Eu tenho tentado tocar mais violão, ainda muito rudimentar, porque você morreu e não há quem toque as músicas que eu gosto de cantar. Eu ainda me pego preso às lembranças da nossa adolescência — elas me assombram e fascinam a todo tempo, você sabe. Talvez algum dia eu consiga controlar essas sensações que ainda são muito físicas e me trazem um certo desconforto. Eu penso se um dia eu terei lembranças melhores do que as que nós construímos juntos. Deixo nas mãos do tempo, você sabe, tenho evitado pensar o longo prazo.

Eu não quero falar das dores. Eu tenho estado em paz, o trabalho tem consumido uma parte enorme do meu tempo, e diante de tanta maluquice no mundo — as pessoas participaram de festas juninas on-line, você acredita? — eu sigo grato por estar concentrado no meu próprio eixo. Sua partida desequilibrou tanto o estado normal das coisas que o caos coletivo da pandemia pareceu apenas o segundo capítulo de um momento difícil. Eu sinto como se estivesse mais preparado, a casca mais dura. Sinto a bem-vinda obrigação de estar bem comigo mesmo antes de estar bem com o mundo e isso é confortante. Também sempre fui muito bem resolvido com a tristeza e ela tem um papel essencial na minha vida; eu também sou triste.

Hoje faz um ano que você morreu, Leandro, e eu sinto muitas saudades. Eu estou me preparando, dentro da minha própria cabeça, para quando as lembranças que nós temos juntos começarem a ficar mais enevoadas, mais símbolo, mais fantasiosas. Esse momento vai chegar, aos poucos, e eu quero estar preparado para isso. Quero estar preparado para essa espécie de sonho, quando você estará cada vez mais distante, mas ainda iluminando a minha história como um farol que nunca apaga. A nossa história foi muito bonita e eu te prometo que a minha continuará sendo.

Meu amigo, sua partida me coloca na desconfortável esperança de que haja algo a mais depois da morte. Esse é um lugar religioso ao qual não pertenço, mas sua ausência me confronta com esse desejo. Torço para que um dia eu possa te dar um abraço carinhoso, como quando você gostava de pular e girar dizendo que estava com saudades. Quando eu também não for mais carne, espero que nossos espíritos possam se reencontrar. Por enquanto, ainda é dor. Logo mais, eu te prometo, será um sonho bom. Você faz uma tremenda falta.

Com muito amor,

Fred.

Seremos vencidos

O moleque desgarrou das pernas da mãe e veio cambaleando em minha direção, passos curtos e atrapalhados, apoiou as mãos pouco acima dos meus joelhos e lançou um sorriso banguela olhando para cima. Eu devolvi o sorriso num desengonço, cogitei lhe alisar a cabeça ou segurar um de seus braços gordos, mas o que pensaria a mãe diante da ética pandêmica do toque? A mulher acelerou o passo e buscou o filho, murmurou inaudível, constrangida.

O contato mais íntimo que tive com alguém, nos últimos dias, foi o encontro com um moleque desconhecido. Ele correu em minha direção e retomou o equilíbrio apoiado nas minhas pernas enquanto eu aguardava a vez na fila do supermercado. A mãe gritou seu nome, Davi, e buscou-lhe rapidamente. Eu sorri, ela puxou a criança pelo braço e tornou a atenção às pedras sanitárias numa das prateleiras da loja.

São 7h32 da manhã e o ponto alto da minha semana é a ida ao supermercado. Não há desespero, mas estou um pouco ansioso, um tanto frustrado. A privação das liberdades mais ordinárias pesa o pensamento, o corpo fadiga mais rapidamente numa simulação do exercício – ou como numa reação constante à falta dele. Eu estou concentrado, porém. Sinto a preocupação tomar espaço da libido. E é a libido que move o mundo, o meu mundo, o que eu leio ou ouço ou faço. O mundo está mais brocha, o mundo está parado – é grave.

Ando de volta para casa, desvio das velhas do Catete como faria diante do diabo. Sinto-me herói das velhas – um delírio – preocupo-me com sua saúde. A preocupação também circunda os anos fumados, a asma, minha mãe, a economia, a ignorância do presidente, o morador de rua, o cão que se alimenta dos restos do restaurante fechado, as garotas na esquina da Gomes Freire com a rua do Rezende. Penso o que Leandro, meu irmão morto, diria sobre isso tudo. Penso nesse texto, cada vez mais confuso, saindo dos trilhos.

Eu estou voltando para casa, ainda não são 8 horas da manhã, carrego comigo uma sacola com dois pães – desculpa para romper o confinamento. Estamos diante da impossibilidade, parados; a cabeça maquina coisas temerosas, todas entre vírgulas excessivas. Já no meu prédio, a vizinha à porta do elevador conta à amiga ter entrado na onda do skin care. Diz que durante a quarentena a pele tende a ficar mais bonita, mais fácil de tratar. Eu passo por elas e subo as escadas.

Ligo o chuveiro e penso se devo usar desodorante após o banho – faria sentido, morando sozinho, durante a quarentena? Demoro três músicas debaixo d’água: “Stupid Love”, da Lady Gaga; “How Soon is Now”, dos Smiths; e “It’s a Raid”, do Ozzy. É um banho demorado. Um banho quarentena. Pouquíssima libido, porém; muitas preocupações. A incerteza tira a gente do lugar.

É sábado e me incomodo cada vez mais com a fatalidade do vírus, assassino de alguns dos nossos pequenos prazeres. Leio um artigo na internet – ele diz que tudo vai passar, que venceremos, que sairemos mais unidos. Não acredito. Seremos vencidos e eu tenho certeza. Se não pelo vírus, seremos derrotados pela guerra, pelo consumo a qualquer custo, pela constante insatisfação sexual que rompe limites, pela impaciência ou desespero. Seremos vencidos por “poetas babosos”, pelo “câncer que-ninguém-descobre-a-causa”, por “legumes envenenados” ou pelo “sindicato policial do crime”. As aspas são de Roberto Piva, brilhante. Seremos vencidos, eu sei. Você sabe também. A vida não passa de uma experiência – e é justamente isso que a torna maravilhosa.

Um menino se equilibra enroscado nas minhas pernas. Não o conheço e tampouco ele conhece a mim. Correu em minha direção como se eu fosse um objeto de desejo, o pai, um picolé, um desenho animado. Acho graça, o moleque é fofo e eu sei ser fofo também. A mãe o afasta de mim. “Próximo”, grita a caixa do supermercado sob a máscara hospitalar. Pago pouco mais de dois reais por dois pães e tomo o caminho de volta para casa, para o confinamento, para a quarentena, para esse estado das coisas inédito que, infelizmente, vamos em breve naturalizar. Imagino as festividades anuais pré-quarentena, as pessoas estocando alimentos, transando com desconhecidos, “promoção de quarentena”, imprensa, 5 dicas para enfrentar a quarentena, lives, lives, lives. A vida é só uma experiência.

A memória

A menina alcançava os botões do elevador, um a um, contando em inglês. One, two, three… por sorte não os apertava, apenas passava o dedo por cada bolinha, como numa lição de casa prática. Foi até o ten já na ponta dos pés. Eu completei com eleven e twelve num tom didático, bem infantil; o prédio onde moro vai até o décimo segundo andar. A avó, ajeitando os cabelos no espelho ao fundo, olhou orgulhosa para o reflexo da neta que retribuiu repetindo: eleven… twelve – os dois últimos botões, ela não os alcançava. Dei-lhe nota dez aproveitando a carona num sorriso e abri a porta do elevador. Moro no quinto andar, elas subiam em direção ao sexto.

Antes de chegar ao meu apartamento, cumprimentei duas velhas que conversavam efusivamente em frente às escadas. Entre elas ficou acertado que o Catete já não é mais o mesmo, anda sujo e mal cuidado, motivo pelo qual já não gostam tanto de sair de suas cavernas. As velhas falavam alto, sem consciência do volume de suas próprias vozes – a do 503 é surda de um dos ouvidos. Eu rosqueava a chave no buraco da fechadura pensando na decadência do Catete, na decadência da coisa toda – talvez fosse apenas uma fase. O que será do Catete quando a menininha do elevador estiver diante de sua primeira entrevista de emprego em inglês?

Da minha infância, de quando aprendi inglês, lembro pouco. Eu construo minhas lembranças mais concretas a partir de uma foto em que eu apareço ao lado da Camila, minha primeira namorada, gordinho, vestindo uma camisa larguíssima do Ozzy Osbourne. Eu tinha 13 anos e daquela época guardo na memória dos dedos o riff de “Black Night”, do Deep Purple, que eu adorava tocar no baixo – minha mãe pagou por ele R$ 700 reais, eu ainda lembro. É engraçado como a roleta russa da memória joga com a gente; eu posso não lembrar o que comi há meia hora, mas algumas situações tão específicas de passados tão distantes às vezes tomam conta do pensamento. Situações tão pouco memoráveis. A memória, eu acredito, é o maior dos milagres.

Eu me lembro do Carlos, de quem não tenho notícias, me contar que “Am I Evil”, do Metallica, era a musica mais pesada do mundo, na quinta ou sexta série. Eu me lembro do Lucas simular o pênis com um tubo de ensaio, na aula de ciências, para zombar de um menino tímido da turma. Me lembro muito bem das veias saltando do pescoço da Tia Nadir, na segunda série, conforme ela brigava com a turma afirmando em alto e bom tom que Deus não castiga, Deus ama. Jamais vou esquecer do mau hálito do técnico que consertava meu computador quando ele ainda era um Windows 95. É engraçado lembrar de como eu me incomodava quando as camisetas do meu uniforme escolar começavam a ficar amareladas – lembro que as do Régis também ficavam, mas nele os tons amarelos caíam bem. Eu lembro de todas as minhas paixonites e da tristeza diante das impossibilidades. A memória é um milagre.

Meu grande amigo morreu na madrugada do dia 12 de julho de 2019. Dormiu e não acordou mais. Dele eu lembro muito bem, as lembranças são muito carinhosas – mas ainda igualmente dolorosas. Eu passo pelas velhas do quinto andar num estranhamento com a vida, uma espécie de incredulidade, é bizarro que elas ainda estejam vivas e meu amigo não. Tendo a aceitar as coisas, mas penso que ele deveria morrer em algum momento ainda muito distante, em alguma fração de tempo entre o sopro de vida das velhas e da menina do elevador. Não sei ao certo se antes ou depois de mim. Pouco importa.

Eu estou no elevador, subo ao quinto andar, me acompanham uma menina muito jovem praticando o inglês e uma mulher que acredito ser sua avó. Entre elas as coisas parecem dentro da normalidade, dentro da relação neta-avó, tudo dentro do que se pode prever. Quanto a mim, sinto as coisas mais inquietas, alvoroçadas, mas bem longe do escopo da ansiedade. Ansiedade é uma palavra perigosa. Eu acompanho a contagem da menina, andar por andar, e minha memória ativa o meu “um a dez” em hebraico seguido do meu “um a dez” em alemão. Vacilo ao tentar organizar o “um a dez” em espanhol, pois na minha cabeça ele mora na caixinha do achismo e não da memória.

Paro diante da porta do meu apartamento, enfio a chave no buraco da fechadura com um certo prazer, no turbilhão da cabeça a decadência do Catete, da coisa toda, um amigo morto, a exigência do uniforme branco e a beleza do que pode ser amarelo. O Catete, o Catete, o Catete. Organizar o pensamento tem sido uma tarefa e tanto, 2019 me parece um ano repleto de meandros e complexidades. Eu posso reclamar, mas não posso. Filosofo comigo mesmo pensando que na verdade o tempo não existe, tampouco um ano ou dois. São apenas palavras, que bobeira. Eu entro no meu apartamento.

One, two, three, four, five, six, seven, eight, nine, ten.

Achat, shtajim, shalosch, arba, 
chamesch, shesch, scheva, 
schmone, tescha, eser.

Eins, zwei, drei, vier, fünf, sechs, sieben, acht, neun, zehn.

Respiro. A gente precisa lembrar de tanta coisa.

Estamos em novembro de 2019, um ano repleto de meandros e complexidades. Eu subo ao quinto andar, a menina e a avó sobem ao sexto. Eu não sei até quando eu vou lembrar do que eu era, ou sou por enquanto. Eu sei que em cinco ou dez ou vinte anos a menina do elevador jamais lembrará da minha intromissão, em um elevador do Catete, ao tentar ensiná-la a ir além do dez em inglês. Quanto a mim, talvez jamais a esqueça, assim como eu jamais esquecerei do meu amigo morto, das camisas amareladas, da feiura do Carlos me mostrando as músicas do Metallica. Do Catete.

Eu rosqueio a chave, entro no meu apartamento, mas sinto como se ainda estivesse subindo no elevador.

A memória é o maior dos milagres.