Evandro desceu a escada estreita de um desses motéis de beira de rua onde provavelmente nunca se fez amor. Na placa de entrada, acima de um portal recém-pintado de branco, lia-se ‘quartos para cavalheiros’ em delicadas letras finas e verdes, uma tradução generosa para o que se enconde nas entranhas desses sobrados antigos onde aliviam-se os brutos, os escamosos, os frágeis, os necessitados e os viciados. Mais honesto fosse, talvez, se os quartos estivessem à disposição de cavaleiros vindos de longas distâncias, errantes e pobres, viajantes cansados montados em cavalos magros, exauridos, mas cheios de esperança. Nunca cavalheiros. Evandro, sem camisa, acendeu um cigarro e sentou-se no último degrau que dava para a calçada onde, tarde da noite, somente um velho com a barriga inchada deitava concentrado em sua convalescença de perna com pouca circulação. A lua estava linda. Evandro contemplava o céu com o olhar perdido na finitude do alcance de sua visão, o calor pressionava o peito por onde a fumaça expandia-se e escapava pela boca, os poros brotavam suor de fevereiro, quarta-feira de cinzas. Deserta, a rua Petrônio Alencar ressoava o latido de um cachorro invisível, cujo som era interrompido pela tosse do mendigo ao lado. A lua, cheia e soberana, pendurada no topo do céu, brilhava intensa e gentil, o brilho era tão forte que o homem chegou a pensar no sol escondido logo atrás da lua, colado, motivo de tanto calor. Pensou na morte trágica de São Jorge, assando preso dentro de uma armadura de metal pesado; o dragão feliz por ser noite de caça, não de caçador. Para Evandro, um homem sentado no degrau de um motel barato, todo dia é dia de caça, mesmo uma quarta-feira de cinzas.
As noites na rua Petrônio Alencar eram sempre silenciosas e mal iluminadas, exceto quando alguma confusão entre michês, putas ou travestis e seus clientes irrompia nos becos escuros. Vez em quando também havia batidas policiais num bordel na esquina com a Rua do Trindade, nada que Túlio Prata, sargento aposentado da PM, homem respeitado por gente de dentro e de fora da lei, não resolvesse de mãos molhadas. Fora isso, nada atrapalhava a calmaria das noites da Petrônio. De dia uma via repleta de lojas de materiais de construção, à noite uma via crucis para quem à luz não pode ser maldito. O último burburinho que alvoroçou a região foi o assassinato de um homem chamado Lino Borges, advogado, cujo corpo foi encontrado numa manhã de terça-feira, há cerca de um mês, deitado numa poça de sangue. Dizem que o semblante do homem estava tranquilo apesar das três facadas afundadas na barriga. Nos jornais, dia seguinte, as páginas policiais tratavam o caso como mistério, ainda seria investigado. A verdade é que o homem frequentava o hotel para cavalheiros há mais de dois anos. A família não sabia e, envergonhada, se esforçou para abafar o caso. Que vergonha seria se a mulher e os filhos do defunto soubessem que seu amado Lino pagava 30 ou 50 reais para acender um pouco a vida com Evandro. Dependia do combinado, mas, não importasse o valor, Lino pagava por brutalidade, por algo mais do que masculino. Na noite em que Evandro não se encontrava, no entanto, o homem foi esfaqueado. Que azar o de Lino. Na espelunca de alugar quartos ninguém tocava no assunto. A mancha de sangue seco está lá, não mais que a trinta metros do costumeiro ponto de encontro. Alguns contam que o pai de família se desentendeu com um marginal ao combinar sexo por um bocado de pó.
Continua…