Deslizaram as palmas da mão uma contra a outra; ao fim, um toquinho de punhos cerrados. Os dois se encontraram por acaso, acredito, e juntos seguiram em direção ao Largo do Machado. Um deles disse que o pai estava em casa preparando cachorro-quente, estendeu ao outro um convite para o lanche. “Bora!”; não deveriam ter mais de 19 anos. Eu estava logo atrás, seguindo na mesma direção, de orelhas e olhos em pé na conversa alheia. Ambos tinham os calcanhares ressecados típicos dos rapazes cariocas – sempre em contato com o chão quando as havaianas escapam dos dedos -, consenso entre os playboys esbeltos da Gávea, os suburbanos perfumados do Catete, Parada de Lucas ou Todos os Santos. Uma desidratação universal característica da tal democracia da praia, sistema político do qual o povo da Guanabara tanto se orgulha. Aqui estão todos juntos, algo assim; não há hidratante ou podólogo que resolva – não há nada a ser resolvido.
Eu seguia logo atrás, o encontro entre amigos me fazia pensar quando foi a última vez que um esbarrão espontâneo daqueles havia me acontecido, despretensioso como aquele parecia ser, simples mas poderoso, que me fizesse alterar a rota a ponto de aceitar de supetão um convite presencial para jantar ou lanchar na casa de um amigo. Não costumo desviar assim da minha rotina, hoje em dia é tudo tão combinado. Os meninos amigos andavam devagar, pareciam animados para comer o cachorro-quente preparado pelo pai de um deles. Diminuí o passo para acompanhar o raciocínio dos falantes sem grandes interferências. Ouvi que achavam estranho não haver Smart Fit no Catete, que ali as academias de bairro sobreviviam incólumes ao apetite voraz do capital. “O Catete resiste!”, disse o mais baixo, achei graça. Eles conversavam sobre trivialidades e percepções variadas, e eu os acompanhava involuntariamente pelo mesmo caminho.
O que andava à direita, mais alto, cujo pai em casa fervia salsichas, sacou do bolso o celular e começou a mostrar fotos de quem depois entendi ser Mariana, uma jovem pela qual o menino estava muito interessado. Ele comemorou com um sorriso no rosto: fazia exatos dois anos desde que Mariana o adicionou no Facebook – on this day. Pouco se falaram desde então, porém, ela tinha namorado. O menino contava angustiado ao amigo como Mariana não saía de sua cabeça, ele não sabia mais o que fazer. Eu não consegui descobrir como ele e a jovem haviam se conhecido, tampouco vi a foto de Mariana, mas entendi que a menina posava na Praia Azeda, em Búzios, e era muito bonita. Mais bonita que a própria praia “que é lindona”, disse ele. O apaixonado ouvia do amigo que esquecesse a “mina”; ele concordava diante do fisgar da impossibilidade. Eu, ali atrás, torcia para o casal improvável, mas o menino não tinha coragem sequer de puxar assunto com Mariana nas redes sociais – um millennial exemplar, a falta de iniciativa nada tinha a ver com respeito pelo namoro alheio.
O amigo e eu ouvíamos as lamentações do menino, eu mais condescendente me identificava com as insatisfações. São muito difíceis essas fantasias com as quais a gente não aprende a lidar, elas brotam de um lugar onde só se descansa diante do entendimento de que a vida é traiçoeira e não dá trégua, e que às vezes a complacência é o melhor caminho para buscar um pouco de paz, mesmo que um punhado escasso. A essência do sonho é ser sonho, não é mesmo? A melancolia só sossega com a aceitação, eu queria ter dito a ele. Mariana estava distante e assim estaria, ponto final, não há consulta ao horóscopo que pudesse trazer sossego. O menino lamentou que Mariana não estivesse inscrita no app Sarahah, assim poderia desaguar um pouco de suas inquietudes, mesmo que acovardado. O ouvinte, com o tom de voz mais elevado, lembrou que o caso do amigo parecia “o do Gabriel”: “Lembra, eu fiquei naquela ‘nóia por ele, sem ele saber, e nunca iria rolar nada, sem chances”. Entendi que um deles era gay e já havia estado, como todo mundo, plantado em terra morta, seco, sem que nada brotasse; talvez Gabriel fosse heterossexual, um amigão, brother, parça.
A esta altura, nós três já estávamos na boca da rua da Laranjeiras, ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Glória; o cachorro-quente já quase pronto, pensei, pai esperando filho para comer sem saber que o lanche teria companhia naquele início de noite. Dois meninos, Mariana, eu-ouvinte, Gabriel, tudo tão banal. O Catete estava acabando, e o avançar de Laranjeiras começava a limitar meu interesse à medida que eu distanciava do meu percurso original. Escolhi abandoná-los sem despedida. Meia-volta em direção à Praia do Flamengo, meu destino real, onde pretendia tomar um ou dois chopes desacompanhado. A uma quadra do bar, já na Praia, esbarrei em um conhecido, desses que a gente gosta sem motivo aparente ou concreto. Ele saía da academia, uma das duas Smart Fits do Flamengo – percebem o abismo de poucos metros entre o Flamengo e o Catete? -, e me perguntou se eu gostaria de tomar um cerveja, em qualquer boteco por alí. Neguei instantaneamente, disse que tinha um compromisso, minha boca respondendo no automático. Meu cérebro não teve tempo de pensar, escolheu mexer os lábios. Um encontro assim, de supetão? Segui para casa, de volta para o meu Catete, a cabeça embaralhada de ideias. Comprei um latão e um cachorro-quente na esquina da Corrêa Dutra.