Rapidinha 3

Malha (treina) na minha academia um rapaz magro de dar dó. Vejam bem, eu não tenho nenhum tipo de preconceito contra magros, longe disso, considero magros, magros, e somente magros, estão me entendendo? O rapaz magro, no entanto, me chama a atenção sempre que nos esbarramos na academia. Ele malha, malha, malha (treina, treina, treina) – o acompanho há um par de anos -, e pouco se desenvolve, continua muito magro. A postura mudou, a magreza permanece. O que mais me intriga, porém, é o quão intendido de futebol ele é. Eu o encaro, tão magro, e me pergunto como tanta informaçãofutebolística se coloca de forma tão eloquente e firme naquele corpo miúdo, enfraquecido. Quando chega na academia, é um cara descolado e popular, desata a comentar tudo que envolve bola no pé. Ele conhece os técnicos dos principais times dos países para os quais a gente aponta o dedo no mapa na hora de sonhar viagem de férias. Croácia, Dinamarca, Romênia. Tem futebol na Albânia? O menino explica a trajetória do jovem jogador russo que fraturou a perna pouco depois de ser contratado por um time brasileiro, prevê futuro incerto de algum time em algum campeonato europeu; tem na ponta da língua a tabela do brasileirão, ele provavelmente já conhece o resultado. Só ele. Quando o assunto é Flamengo, é um Deus nos acuda: ele profetiza as partidas melhor do que o Zico ou que a Globo. Diz que a Globo é flamenguista, acho graça, imagino ele no Twitter. Eu vou até o bebedouro, troco de aparelho, e o menino está lá, falante, gastando toda a energia do corpo magro com futebol. Quanto aos pesos, leves, marcam no braço o esforço de carcaça de inseto. Quando fala de futebol, porém, vira leão, forte, entendedor, me intimida.

Eu tento me concentrar na música que ouço; os comentários do menino como percalços na minha rotina, futebol, não entendo muito bem o que ele diz, de longe vou ficando fraco. Ele analisa o estilo dos técnicos alemães, traça um panorama do pós-guerra ao 7×1. Eu fico impressionado com tanto conhecimento, tanta noção de tanta coisa, um corpo miúdo, maior que todos, eu nunca soube tanto de coisa assim. Ele fala até dos times asiáticos, dos quais não tenho menor paciência de ouvir, aumento o volume da música. Lamento que o horário em que ele e eu malhamos – treinamos – não coincide com o horário da moça que malha – treina – fazendo “lives” no Facebook. Só ela consegue me dominar por completo, ter toda minha atenção. Ela coloca o smartphone para o alto e pronto: está ao vivo para todo mundo que quiser ver. Não aguento, derreto por completo, vou-me embora, sinto-me mais forte do que quando entrei na academia – embora barrigudo -, mas mais cabisbaixo, futebolístico, ao vivo. Sinto mais “live” e pouco alive. Penso que deve ser mesmo essa a “age of gold, yes the age of old, the age of gold”. Aumento o volume, cara. Preciso aumentar o volume. Vocês se ligaram? Desculpem a repetição, a besteira. Que loucura.

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