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Hoje completo 34 anos. A casa dos 30 sempre me foi um pouco temerosa. Lembro muito bem, nos idos dos anos Bate Papo Uol, quando a internet era terra de ninguém, que muito se buscava gente para “TC” até 30 anos. Uma besteira sem tamanho. Faço hoje 34 anos com a vida pouco resolvida, mas com um bocado de traumas superados, felizmente. Os 30 podem não ser a salvação – estão longe disso, mas são uma boa dose de foda-se. Foda-se grande parte das expectativas, foda-se um punhado de inseguranças, foda-se se há um enorme buraco no sovaco da minha camiseta. Não estou nem aí. Pago minhas contas, desejo quem eu quero, faço o que eu bem entender. Aceito cada vez mais a liberdade como um presente imenso porque descubro que não é preciso agradar a ninguém. A ninguém que não me pague. A ninguém que não me interesse. E o melhor: é cada vez mais prazeroso agradar a quem desejo agradar. São poucas pessoas.

Hoje, aos 34 anos, tenho muito a agradecer. Primeiro porque a paixão ainda permeia minha vida, profundamente. Eu ainda me apaixono pelas coisas, pelas pessoas, por um disco novo que está para ser lançado, por um novo show anunciado, por uma caminhada no aterro, por comprar um presente para meu sobrinho ou para meu afilhado, por alguém que descubro que me faz bem ou por quem está o tempo todo ao meu lado. A paixão não cede, não arreda, ela queima dentro do peito como aos 16. Mas agora com mais inteligência, com mais experiência, com mais dinheiro. Que delícia é estar apaixonado. Tenho 34 anos e sigo apaixonado pela vida, por um bocado de coisas, por um bocado de pessoas. 

Sigo também assustado com a finitude das coisas e com essa sensação estranha de que as semanas passam cada vez mais rapidamente. E que as semanas trazem consigo os anos e as rugas e a impossibilidade. Mas me desafio todos os dias a estar concentrado no hoje – o que não é fácil. Ainda lido com uma baixa autoestima que há muito me persegue e com um pessimismo que tento controlar a todo tempo. Tenho tido sucesso, mesmo que muitas vezes ficando bastante cansado. A vida certamente poderia ser mais fácil, mas minha dificuldades diante do mundo são pequenas, e me parece que às vezes os males do outro são ao mesmo tempo que lamento, alívio. Está tudo bem: tenho 34 anos e  tudo permanece em ordem – mesmo quando fora dela.

Quando eu morrer
Quando morrer, faço questão de ser cremado em Petrópolis, cidade onde nasci e por muitos anos acredito que fui feliz. Peço que o velório aconteça de manhã, na mais iluminada das horas. E que não dure muito. Minhas cinzas, porém, devem ser derramadas ao vento no Aterro do Flamengo, a partir das 18 horas, nos cantos mais escuros — onde ficam as almas desgarradas que ainda vivas buscam alívio em meio à solidão. Um pouco de cinzas na altura do Hotel Glória, um pouco de cinzas no estacionamento de onde funcionava o antigo Porcão, outro bocado de cinzas nas árvores às sombras. O restinho, é claro, no mar onde entrei pela primeira vez, em 2009, ano em que tive o imenso privilégio, graças a todos os esforços da minha mãe, de morar na cidade que tão bem me acolheu. Eu amo o Rio de Janeiro.

Quando morrer, por favor, quero que chorem ao buscar na memória os momentos em que fomos felizes. Chorem tudo que tiverem para chorar, esvaziem o peito de lágrimas, pois quero logo ser celebrado em alegria — copos na mão, sorrisos no rosto, piadas na ponta da língua. Nunca cinismo, nunca arrogância, por favor, às vezes solidão. Quero que lembrem de mim – o que pelo menos agora, para mim, parece muito diferente de pedir “quero ser lembrado”. Não há glória, mas sim bons momentos. Quero todos tranquilos, fui muito feliz, morto hoje ou daqui há 50 anos. Tenho certeza disso. Tenham certeza disso. Peço, por favor, lembrem de mim na trivialidade, no latido ao longe de um cão, nas velhas muito maquiadas no bar, no homem sentado no chão, na música que toca de repente dentro da loja. 

Meus órgãos todos podem ser doados, não me farão a menor falta. Será um presente ter minha carne batendo em outra vida, porque a vida é o maior presente possível, o maior dos privilégios. De antemão, peço desculpas pelos meus pulmões e talvez pelo meu fígado. Vivi imensamente. Repito: a vida é um presente e eu soube abri-lo, rasgá-lo, amá-lo, aproveitá-lo. Por favor comprem um bom vinho, não economizem – gastem dinheiro e brindem a mim. 

Hoje é meu aniversário, faço 34 anos. É domingo, um dia cheio de complexidades exatamente como o domingo em que nasci. Estou num lugar muito diferente do qual eu já imaginei um dia, mas estou num lugar cheio de felicidades. Hoje estou muito feliz. Amanhã será outro dia. Mais um dia, menos um dia. Um feliz aniversário.

Se você está lendo isso, muito muito muito obrigado. 

28/06

O mês do orgulho ainda não é o mês da vitória, mas sim da vitória da coragem. Eu digo isso, com muito orgulho, porque desde cedo, no início de tudo, a gente tem que vencer o medo.

A crença de que o que você sente é passageiro, saibam vocês, logo passa – por mais que a tentativa do autoengano persista às vezes de modo muito convincente. Mas é o medo que prevalece.

O medo se alarga, toma o centro das coisas, ganha massa, pesa e se espalha. É taciturno, mas também é violento. E aí, em algum momento, você traça um cenário complexo de possibilidades sobre como poderia a sua própria família reagir a quem é você. E você sente medo. E passa a ter medo também da família dos outros, do pai do seu melhor amigo que, de uma hora para outra, pode deixar de te convidar para viagens de final de semana, pode se incomodar com a sua presença no quarto, no banho. É o medo.

O medo, como uma praga, alcança as suas relações sociais, os amigos (e os inimigos) na escola, a sua relação com professores, a sua banda de Heavy Metal. E é o medo que te faz se comportar como você não gostaria; de ir a uma festa e beijar uma pessoa pela qual você não nutre o mínimo desejo, de reforçar estereótipos, de maltratar na escola quem na verdade você tem vontade de se aproximar. O medo de não enxergar nenhum horizonte possível e minimamente viável de se relacionar com quem você ama ou deseja. O medo constante da impossibilidade – é gigantesco, acreditem. É enorme o medo de ter que se apaixonar calado.

E aí você explode, cedo ou tarde. Você beija em público, pela primeira vez, com o peito explodindo de emoção, mas com muito medo. Medo da reprovação, do nojo, da humilhação, de um soco na cara. O medo por você e pelos seus, por quem você ama, por imaginar sua mãe tendo que lidar com uma piada sobre o filho numa mesa de jantar. O medo, sempre o medo. Desde sempre, o medo. No alistamento militar, na chopada da faculdade, na hora de fazer o checkin no hotel – cama de casal?. É o medo.

Um dia, saibam vocês, não haverá medo. E esse dia será o dia da vitória. Por enquanto seguimos comemorando a vitória da coragem, sobre cada medo vencido – e são muitos. E por isso são muitas vitórias. São vitórias diárias a serem comemoradas. E essas vitórias deixam a carne cascuda e o espírito elevado, cada vez mais forte. Sintam orgulho, estamos vencendo o medo. Venceremos, todos juntos, o medo.

Uma pausa…

Quem me tem como amigo por estas bandas sabe que eu curto colocar em formato de texto as coisas que eu vejo por aqui, nas ruas, no Catete. E tem gente que gosta de ler, o que me deixa muito feliz. Muito mesmo. Quem me conhece a fundo sabe que é o meu método prático de transformar a inquietude na preocupação com a forma, porque as coisas me deixam por vezes aliviado, por vezes muito angustiado. E eu quero dizer as coisas, não aguento.

Eu quero dizer, sem parecer pretensioso, que vou dar uma breve pausa para organizar essa minha prática em formato de livro. E esse negócio de livro precisa ter um tempo. E precisa também ter coisa de mistério, de textos não publicados. Vou organizar o pensamento, vou manter no secreto, para depois vomitar nesse novo formato. Que trabalhão!