Rec rec rec. O velho girava os pinos de plástico com os dedos enrugados, e os pintinhos efervesciam no chão. De pulinho em pulinho os brinquedos de corda, tão vagabundos, disparavam aleatórios até que cessassem o movimento, dispersos. Raramente paravam em pé; não poderiam ser fabricados em lugar do mundo que não a China. Taiwan, talvez. O trabalho era ingrato tanto para os chineses – eu pensava – quanto para o velho vendedor na porta da galeria Condor, no Largo do Machado. Já em idade avançada, era daqueles velhos que a gente olha e lamenta a labuta. E que labuta! O homem, curvado, abaixava de minuto em minuto para dar corda novamente nos plumadinhos amarelos, tão desajeitados, feiosos. Alguém compraria pintinhos de dar corda? Rec rec rec, o velho dava corda abaixado, apoiava as mãos no joelho e voltava a oferecer a quem passava, como num martírio de pagador de promessas. No braço uma sacola – decerto um galinheiro inteiro. No outro, cartela de remédios e receita do SUS. Através das lentes profundas dos óculos o homem parecia ter a idade muito mais avançada do que aparentava distante. A pele murcha muito branca trazia à tona o verde das veias no rosto, e os pontos brancos de barba mal feita, branco-neve, eram mais espessos que os poucos fios restantes na lateral da cabeça. Poucos dentes também sobravam na boca do velho. As pessoas passavam para lá e para cá como se o velho fosse tão invisível quanto os pintinhos são para o mundo.
A mulher de cabelos loiros passou apressada.
O mendigo mordeu um pedaço de pão.
O jovem espirrou.
O homem falava ao celular.
A criança precisou de colo.
A velha comia kibe.
O trocador de ônibus correu.
Os adolescentes não pegaram o panfleto.
Amarrado ao poste, o cão implorava pela dona na porta da farmácia.
Rec rec rec, os pintinhos pulavam até cair.