Bem à minha frente, apressado, um jovem segura firme a guia que circunda o pescoço de um cachorro cuja raça não sei o nome. O jovem parece estar com pressa, seus passos são curtos, mas ligeiros. Nosso entorno ecoa alto o resvalo de seu chinelo contra o calcanhar. Gosto desse som. O cachorro o acompanha fiel, ele sabe que o tutor não dispõe de muito tempo; a devoção de cão o faz entrar no compasso do jovem sem grandes questionamentos ou pausas para farejar aqui ou ali. Eu, logo atrás, não tenho pressa. Sigo meu percurso desacelerado, passa das dezenove horas. Fico cada vez mais para trás, estou mais distante; agora um pouco mais, já estou longe do rapaz que passeia com um cão. Não ouço mais seus chinelos.
É terça-feira, dia que menos gosto na semana. Terça é dia de estudar para a prova, lembro bem. No Bom Jesus Canarinhos, escola onde estudei em uma cidade que não existe mais, havia prova toda quarta-feira, o que tornava as terças um verdadeiro inferno. Eu odiava estudar, sentia como se a adolescência fosse o momento certo para experimentar as coisas, vivê-las pela primeira vez. Meus colegas revisavam as matérias enquanto meu peito explodia de ansiedade e desejo. Era impossível estudar. Pior: seria criminoso estudar. Eu precisava experimentar, eu queria experimentar. Não lembro de uma prova sequer, mas lembro de quando escutei “Creep”, do Radiohead, pela primeira vez. Eu nunca mais vou escutar Creep pela primeira vez. Lembro com detalhes do meu primeiro porre, do meu primeiro beijo – ao menos o que fez sentido -, da primeira vez que meu nariz sangrou por causa de um punho cerrado. Mais do que lembro — essa é a diferença.
Perco o rapaz de vista, tampouco vejo seu cachorro. No horizonte nada além de uma terça-feira já em decadência e da persistente vontade de experimentar. O peito ainda cheio de desejo. Será normal? Passará um dia? Um filho enterrará essa minha versão que segue orientada pela vontade de conhecer o que é possível pela primeira vez? Haverá o momento em que descobrir uma música incrível, para fotografar a sensação na memória, deixará de ser importante? Sigo caminhando, sem pressa, e reencontro o rapaz acelerado, agora sentado em um banco no Aterro do Flamengo. O cão bebe água, tranquilo, uma recompensa pela lealdade, pelas patas ligeiras. Permaneço no meu ritmo, sem pressa, forço um contraponto à angústia que eu sentia naquelas terças de tantos anos atrás. No espírito, porém, ainda o desejo.
Falta cerca de um mês para a primavera, não sei identificar se as árvores do Aterro já sinalizam que em breve as flores brotarão coloridas para abrir caminho para o verão. Tudo que eu sei, aqui e agora, é que o cachorro do jovem rapaz não sente mais sede. Sei também que o dois não têm mais pressa — se é que tiveram algum dia. Estão sentados em um banco de concreto no Aterro do Flamengo. Sei que é terça-feira, um dia um tanto quanto incômodo talvez em razão das provas às quartas-feiras. Penso que todo aquele incômodo de muitos anos atrás pode ser miseravelmente insignificante se comparado a todo o incômodo de hoje, de agora, de homem jovem que envelhece. Temo que isso seja verdade — sobre isso eu não sei.
O rapaz anda em direção à beira mar, solta a guia do cão que corre livre para molhar as patas ligeiras. Eu observo, sem pressa. Mas com a cabeça (seria o peito?) explodindo de ansiedade e desejo. Passará?
Vou tentar retomar a periodicidade por aqui, no Do Catete.
Couldn’t look you in the eye
You’re just like an angel
Your skin makes me cry
You float like a feather
In a beautiful world
I wish I was special
You’re so fuckin’ special
But I’m a creep
I’m a weirdo
What the hell am I doin’ here?
I don’t belong here
I don’t care if it hurts
I wanna have control
I want a perfect body
I want a perfect soul
I want you to notice
When I’m not around
So fuckin’ special
I wish I was special
But I’m a creep
I’m a weirdo
What the hell am I doin’ here?
I don’t belong here
She’s running out the door (run)
She’s running out
She run, run, run, run
Run
Whatever makes you happy
Whatever you want
You’re so fuckin’ special
I wish I was special
But I’m a creep
I’m a weirdo
What the hell am I doin’ here?
I don’t belong here
I don’t belong here
Ahhh as terças … As experimentações… As primeiras vezes… A cidade q não existe mais… Ahhh as memórias
Eu tinha esquecido completamente das provas de quarta-feira, sinto o oposto de saudade desse sentimento das terças de Bom Jesus
Você escreve muito bem! Todos nós guardamos lembranças de um dia da semana e Petrópolis ainda existe kkkk